Desde final de 2008 que tenho colaborado mensalmente com a Sportlife. No Outside relato as minhas aventuras pelo nosso maravilhoso país e passarei também a partilhá-las convosco aqui. Às vezes colocarei aqui qualquer outro passeio que realize. Gostaria muito que me dessem a vossa opinião, se fizerem algum desses passeios ou simplesmente se vos der vontade disso. Digam-me que mais informações gostariam de ver publicadas nos nossos artigos.

Estarei à vossa disposição para qualquer dica extra que precisarem para fazer alguma destas aventuras ou outras.

Espero que gostem e se aventurem!

Filipe Palma

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Dez 08 - Guadiana em Kayak





Descer o Guadiana em caiaque foi a aventura de eleição para o nosso Outdoor deste mês. Abraçado por uma paisagem tipicamente alentejana de montes ondulantes onde se destacam as azinheiras e os sobreiros este rio é muito bonito e muito tranquilo. Esta paz é apenas “perturbada” por alguns rápidos vigorosos e aliciantes que fazem desta navegação um prazer infindável.




Integrado parcialmente no Parque Natural do Vale do Guadiana, o Guadiana é um dos nossos rios internacionais. Nasce em Espanha nas Lagunas de La Ruidera a 1700 metros de altitude. Desde aí até à sua foz, entre Vila Real de Santo António e Ayamonte, percorre 829 km em território ibérico. Em Portugal entra a uma altitude de cerca de 150 metros o que, em 260 km de comprimento até ao seu final, faz com que o seu desnível seja muito pequeno. O seu curso é interrompido por alguns açudes que permitiram desde os tempos antigos movimentar as azenhas. É por isso um rio muito suave com algumas zonas de corrente, alguns rápidos mas maioritariamente águas planas.




Com família e amigos partimos para o Baixo Alentejo, na direcção de Beja. Daqui fomos pela estrada nacional 260 e, 7 km antes de chegarmos a Serpa, parámos na ponte sobre o rio Guadiana. Foi o nosso ponto de partida. O nosso objectivo para dois dias era chegar ao Pulo do Lobo, um estreitamento do rio que acaba com uma espectacular queda de água de 13 metros. O percurso total seriam 24 km. Para dois dias achámos razoável.





Enquanto alguns ficaram a preparar toda a logística, outros foram levar um dos nossos carros até ao presumível ponto de chegada. Não quisemos que ficasse isolado no meio do campo e procurámos uma casa por perto. O Monte mais próximo ficava a alguns kms mas foi a opção escolhida. Preferimos ficar com o carro protegido e no final da descida resolveríamos esta dificuldade da distância.





Regressámos ao ponto de partida e, após todos os preparativos logísticos, iniciámos o nosso briefing. Sendo de águas planas, o rio é de navegação muito fácil mas tem como desafio a superação dos açudes e dos seus rápidos. Temos que ter a noção que os açudes, aparentemente inofensivos, podem provocar acidentes graves. Mas podemos sempre evitá-los descendo a pé pelo lado. Não temos que os descer navegando e criar riscos desnecessários. Mas, se por um lado os rápidos encerram alguns perigos, descê-los é também uma parte muito divertida. Assim, se não conhecermos o rio, que foi o caso, o que temos que fazer é parar antes de cada açude e rápido, verificar o grau de dificuldade e antecipar possíveis consequências. Se não tivermos prática ou tivermos dúvidas sobre as consequências devemos passá-los a pé pelo lado, fazendo o que se chama uma portagem. Caso contrário, a pessoa mais experiente deverá ir à frente e dar indicação aos restantes participantes do melhor caminho a seguir. Estes, deverão descer um de cada vez sem riscos de abalroamentos mútuos.




Com todos nos respectivos caiaques, toda a bagagem a bordo, e os dois cães a procurarem a sua posição mais confortável no meu caiaque duplo, partimos. Foram muitas horas empenhadas na preparação e com os dias curtos ficámos muito limitados na descida do primeiro dia. Para nos ambientarmos fizemos logo uns exercícios de remada para a frente e para trás. Iniciámos a descida entusiasmados com a “expedição”. Passado algum tempo começámos a ouvir água a correr. Aproximava-se o nosso primeiro açude, os Moinhos da Corte Piorninho. Dei indicação para se juntarem todos na margem enquanto eu ia “diagnosticar” o nosso obstáculo. O rápido ficava no lado esquerdo do açude e era pequeno mas ligeiramente em curva para a direita. À esquerda, no final do rápido e na margem, estavam umas árvores com os ramos sobre a corrente. Teríamos que descer o rápido evitando esses ramos. Naquele caso, a “complicação” teve a haver com o avançado da hora, com a temperatura fria que já se fazia sentir e com o facto de transportarmos nos caiaques toda a nossa comida, roupa seca e o equipamento para dormirmos. Tudo isto queríamos manter seco e, como tive dúvidas que todos o passassem sem se voltarem ao contrário, sugeri que alguns o fizessem a pé. Fazer aqui uma portagem foi um processo demorado: aproximar o caiaque da margem, sair, transportá-lo pela margem, voltar a entrar... Passado algum tempo, já estava o obstáculo superado quando a contra corrente puxou um caiaque para um pequeno remoinho e, sofrendo o efeito do peso extra, o caiaque desequilibrou-se e voltou-se mesmo. Primeiro, o susto, depois e quase em simultâneo, o choque térmico e por fim o desalento de ver todos aqueles objectos, indispensáveis ao nosso conforto mínimo, dentro de água. Algumas coisas estavam em sacos estanques e não se molharam mas outras estavam em enormes sacos plásticos e ficaram completamente ensopadas: botas, sacos cama e roupa quente para a noite fria.




Recuperámos e continuámos a navegar para jusante. Passado mais algum tempo, já estávamos no fim da tarde, apareceu novo açude, o Moinho do Farrobo. Parámos para avaliar este novo obstáculo e, consultando o nosso mapa, considerámos estabelecer o nosso campo de pernoita ali mesmo. Daí a pouco iríamos ficar sem luz. E um telheiro duma casa desocupada oferecia algum resguardo da imensa e gelada humidade que já se fazia sentir. Montámos as nossas tendas, vestimos a roupa seca que ainda tínhamos, preparámos o nosso jantar de campo e animadamente conversámos sobre as aventuras do dia. É um dos prazeres do outdoor, o sentirmo-nos no meio da natureza, em liberdade e distantes do mundo apressado do dia a dia.




Como prevíamos, a noite foi fria e a manhã seguinte cheia de nevoeiro. Calmamente fomos levantando o acampamento e preparando novamente a nossa partida. Olhando para o mapa, dos 24 km que tínhamos que percorrer em dois dias, já estavam cumpridos 2,5 km. Flexibilidade para ajustar um programa de outdoor é essencial para quem se lança à aventura. O Pulo do Lobo já estava fora de questão, iríamos até onde nos sentíssemos confortáveis e divertidos.




Quando começamos a navegação já o sol raiava e, novamente animados, remámos rio abaixo. A ausência de vento mantinha a superfície como um espelho reforçando a tranquilidade envolvente. No caminho passámos por uma ilha onde reside uma colónia de garças boieiras. A abundância das aves junto aos rios é outro dos atractivos das aventuras náuticas.




A transposição do terceiro açude foi mais simples e todos o fizemos sem dificuldades de maior. Contudo, o seguinte, nas Azenhas dos Machados e dos Machadinhos, foi mais impressionante: o desnível era maior e a água, muito esbranquiçada pela velocidade com que corria sobre as pedras. Mais uma vez parámos para “estudá-lo”, ninguém queria “ir à água”. E mais uma vez as sensibilidades dividiram-se: houve uns que desceram o rápido de caiaque e outros a pé. Assim, sem quaisquer pressões, deve reger-se o grupo: cada um, em função da avaliação que faz das circunstâncias e aferindo ao seu nível de prática decide da melhor forma para si (e indirectamente para o grupo).



Naquele que acabou por ser o último rápido, na Azenha de Quilos e tal como o primeiro com ramos do lado esquerdo e a curvar para o lado direito, foi a minha vez. Sendo o mais experiente do grupo, fui à frente para indicar o caminho. Tinha deixado os cães em segurança na margem com o restante grupo. O rápido tinha bastante força e eu teria que sair da corrente principal logo após a descida para não ir contra os ramos pontiagudos que me poderiam prender ou ferir a minha cara. Antes do açude comecei a remar com muita força para ganhar balanço e tentar ter a minha trajectória independente da corrente. Desta forma poderia ir para onde queria e não para onde a corrente me levasse. Mas, à saída do rápido, havia também uma onda que me fez desequilibrar e, para evitar que o caiaque se voltasse ao contrário, deixei-me ir para dentro de água. A nadar puxei logo o caiaque para fora da corrente cumprindo assim o objectivo de não ir para os ramos. Molhar-me foi secundário... O meu exemplo e, novamente, o avançado da hora fez com que os outros fizessem a passagem pelo lado. Estávamos ainda muito longe do carro, na realidade estávamos muito mais perto de Serpa onde também tínhamos deixado um carro.



Perto do Monte da Barca vimos pessoas, algumas a pescar e outras em pleno convívio. Decidimos que seria o fim da nossa descida e dois de nós pedimos boleia até Serpa enquanto os outros trataram de arrumar todo o material. Quando regressámos para recolher tudo já era de noite. Estávamos todos satisfeitos com a aventura mas também pelo regresso ao outro conforto.



Se tiveres experiência em Canoagem este passeio pode ser feito em autonomia (cumprindo sempre a regra de “ires sempre acompanhado por alguém com experiência” e tomares as devidas precauções em cada açude). Começa o dia cedo para no fina teres sempre uma margem de tempo (e de luz solar). Se não tens experiência recomendo fazeres com alguma das empresas de aventura que organizam estas descidas. É mais agradável ser feito no Outono e Primavera, fora do frio e calor extremos respectivamente do Inverno e do Verão. Também é importante evitares épocas de seca pois nessas alturas o nível de água do rio é demasiado baixo e este pode não ser suficientemente navegável.

Boas descidas!

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Nov 08 - A Pé pela Costa Alentejana

Praias Selvagens e Passeios Únicos com Mar à Vista






Quando penso em Costa Alentejana, o que me ocorre em primeiro lugar são boas praias para surf e animados festivais de música no Verão. Mas esta região, que inclui o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV) tem muito mais para oferecer. A linha costeira e rochosa com falésias sobre o mar e por vezes interrompida por praias escondidas, surpreendentemente isoladas nesta zona do país, é já muito procurada por portugueses e estrangeiros.

Neste princípio de Outono, escolhi fazer uma caminhada junto ao mar a partir de Almograve até ao cabo Sardão. O percurso pode ser feito de ida e volta ou, se tivermos dois carros, podemos deixar um no final para o regresso. Podemos ainda combinar com um táxi para nos ir buscar ao cabo Sardão ou deixar-nos lá no inicio e fazer o percurso inverso.

Aproveitei parte de um percurso pedestre circular sugerido e identificado pelo PNSACV que começa e termina em Almograve onde se encontra o placard de interpretação. Daqui, dirigi-me à praia e, logo de seguida, caminhei para a direita por cima de um passadiço de madeira que protege as primeiras dunas e da acesso à falésia. Nesta zona, a falésia é baixa e o trilho arenoso fica entre bonitas flores e vegetação rasteira e dunar.




Mais à frente encontrei a praia dos Ouriços. Fica na foz duma ribeira e não tinha ninguém. Neste pequeno paraíso a sensação é de estar noutro tempo em que tudo era, de facto, selvagem. Como tinha o cabo Sardão como destino final, em vez de continuar para o interior de volta a Almograve, regressei pelo caminho que tinha acabado de fazer. E, novamente na praia de Almograve, continuei em frente para sul. À beira-mar há um estradão que nos leva até ao porto das Lapas. Este consiste num pequeno acesso ao mar utilizado por pescadores que aproveitaram bem um canal natural por entre rochas e um pequeno promontório a proteger da ondulação e vento de norte, muito típicos na nossa costa ocidental. Lembrei-me de, há uns anos atrás, ter encontrado aqui inesperadamente um casal de alemães que estava a fazer uma Volta à Europa em caiaque. Tinha partido da Alemanha via Danúbio, Mar Negro, Bósforo, Mar de Mármara, Mar Egeu, Mediterrâneo e finalmente o Atlântico com destino a Hamburgo, novamente no país de origem. Já levavam 4 anos e contavam ter pela frente mais 2 e meio. "E preciso ter espírito!" Mais do que espírito, neste caso era uma opção de vida. Ali estavam eles, no porto das Lapas, protegidos como tantas outras vezes acontece com os pescadores locais. Este porto é um excelente local para observar a sedimentação de areias depositadas há milhões de anos quando o nível do mar esteve mais acima.

Continuei e, o estradão que no porto das Lapas passou a trilho proporcionou-me vistas espectaculares sobre as falésias vertiginosas onde a cor da rocha e da vegetação arbustiva contrasta com o azul forte do Atlântico. Nesta costa, ainda selvagem, observei um fenómeno único em Portugal: a nidificação das cegonhas em pequenos ilhéus pontiagudos que se encontram junto à costa.




O regresso do cabo Sardão foi feito pelo mesmo trilho. Confesso que, nas caminhadas, não gosto de ir e voltar pelo mesmo sitio, prefiro percursos circulares ou só de ida, mas quando vou e venho constato quase sempre que o trilho não é repetitivo e me oferece perspectivas diferentes e não menos interessantes.

Out 08 - Cycling Outdoor?

Fazes Cycling no teu ginásio? E porque não um treino de Cycling no meio da natureza?



O Cycling surgiu como uma alternativa de treino ao ciclismo tradicional de estrada. Em épocas de frio, chuva ou neve ou mesmo em horas sem luz solar continuou a ser possível aos atletas continuarem os treinos com as suas bicicletas. Hoje em dia é indispensável aos profissionais, até como uma variação do tipo de treino e por isso como factor de motivação.

Por outro lado, muitos de nós que começaram a fazer Cycling nos ginásios, antes de ir trabalhar, ao fim do dia para descomprimir ou até num “buraquinho” à hora do almoço porque é o único tempo disponível do trabalho e da família, não conhecem o treino de bicicleta a não ser sempre no mesmo lugar. Aqui, os factores de motivação são normalmente as instruções dum professor entusiasmado e da música adequada aos diferentes ritmos marcados pelo professor.

E alguns de nós até fazemos passeios de BTT mas...passeios não são treinos!

Fomos até à Serra de Sintra, uma jóia da natureza do nosso país que está integrada no Parque Natural de Sintra-Cascais. À volta, muito perto encontra-se mais de 20% da população portuguesa.




Em Sintra não é fácil passear de bicicleta a não ser para quem tem uma boa preparação física específica de ciclismo. Poucos são os caminhos e trilhos planos e muitos deles são bastante íngremes, ideais para Cycling Outdoor. Em Sintra ou se sobe ou se desce. E se encaramos essa “sessão” como um treino acabamos por fazer o trabalho do ginásio, desenvolvemos a nossa capacidade cardio-respiratória, a resistência e a força das nossas pernas. Tudo isto além de um gasto de calorias que muitas vezes é o principal objectivo das pessoas que fazem exercício físico. Só que em Sintra, como em inúmeras serras no nosso país, estamos também a apanhar ar fresco, estamos a conhecer património natural, estamos permanentemente a mudar de cenário. E isso é altamente motivador.

Após um aquecimento articular combinado com alguns alongamentos partimos do Convento dos Capuchos. Poderíamos também ter partido da Lagoa Azul, da Barragem do Rio da Mula, da Malveira da Serra, da Peninha ou qualquer lugar onde houvesse um estacionamento para deixarmos para trás os nossos carros.

Na direcção da base da Pedra Amarela descemos um pouco para logo a seguir, à direita começarmos a subida até à base. A subida alterna entre zonas mais e menos íngremes. É o nosso aquecimento muscular e tal como no ginásio pomos as mudanças mais leves de forma a ter muita rotação nas pernas “puxando” pelos pulmões e não forçando demasiado as articulações e os ligamentos.

Na base da Pedra Amarela partimos para o topo onde encontramos uma torre de observação e detecção de incêndios. Também esta subida muito inclinada a fizemos com as mudanças mais leves. É o treino cardio-respiratório. A subida custa bastante mas fomos animados pela perspectiva duma vista fantástica sobre toda a península de Cascais e que alcança em dias de boa visibilidade a Ponte 25 de Abril, o Cristo Rei e o Cabo Espichel. Para baixo fomos a descansar e, novamente da base, cruzámos a estrada de alcatrão e seguimos por um estradão para a Peninha. Aqui, as subidas são de troços mais compridos e naturalmente mais longos. Continuámos com uma rotação rápida, sempre a trabalhar a resistência.

Quando se pedala em Sintra, e nesta perspectiva de treino, a ideia é ter em mente a localização dos principais picos e fazer a ligação entre eles através dos acentuados desníveis. Para além da Pedra Amarela há a Peninha, o Monge, a Cruz Alta entre outros. A subida para cada pico é “quando o professor puxa por nós”, é quando “a música também acelera”. A descida para o próximo pico é o momento do descanso, normalmente mais curto. Quando se treina em conjunto o grupo pode definir um tempo para o esforço e um tempo de descanso.




Na Peninha, para sul apreciámos a maravilhosa vista sobre a praia do Guincho, e para norte a praia Grande, a Ericeira e o Convento de Mafra. Continuámos até ao Monge e daqui avistamos um pouco do lado este da serra com a Cruz Alta e o Palácio da Pena.

No caso da Serra de Sintra a variedade de caminhos e trilhos é tal que é possível fazer sempre um itinerário diferente. As vistas são sempre espectaculares.

Set 08 - De kayak na Arrábida



Muitos de lembrarão do Slogan “Vá para fora cá dentro”. Foi um convite do Turismo de Portugal há já muitos anos para que explorássemos e desfrutássemos o nosso país. Todos gostamos de passear e viajar, uns mais que outros, de uma forma mais desportiva ou mais cultual, mais aventureira ou mais convencional, para conhecer ou só para descansar. E quantas vezes não pensamos logo em destinos distantes, para nós inacessíveis, ou porque são muito caros, ou porque não temos o tempo que justifique ir tão longe ou até porque nos falta a ousadia de partirmos para um lugar desconhecido. Portugal tem lugares imensamente bonitos e cheios de contrastes. Temos a sorte de mudarmos de cenário em pouca distância e em pouco tempo. Foi o que senti quando terminei a minha Volta ao Mundo “Andei pelo Mundo de bicicleta e vou querer andar por Portugal inteiro, vou querer conhecer pouco a pouco os pequenos e belos recantos do nosso país”.

E é isso que vamos fazer nas próximas edições: descobrir, dar-te a conhecer e levar-te ao Portugal que nós desconhecíamos ou que simplesmente gostamos muito. Vamos fazê-lo de uma forma activa porque é saudável, é o nosso espírito. E vamos utilizar os melhores meios para cada lugar, sejam eles uma simples caminhada, um passeio de bicicleta ou de kayak, ou até algum outro que encontremos pelo caminho.

Vem connosco cá dentro!



Não raras vezes partilhei com amigos o sentimento de, ao viver (ou ter que viver) em Lisboa, beneficiar do privilégio de estar perto de locais de natureza fascinante. A Arrábida é um dos mais conhecidos e não é por acaso. Tem paisagens paradisíacas, enseadas escondidas, praias inacessíveis, a água do mar é cristalina e, além de tudo, oferece excelentes condições para o pedestrianismo, bicicleta todo-o-terreno, canoagem, escalada e mergulho. Em pleno Verão, com o tempo quente e as águas calmas, escolhi a canoagem. Desafiei a família e uns amigos, pegámos nos caiaques e partimos.

O projecto inicial era ligar a Lagoa de Albufeira ao Portinho da Arrábida em três dias. Comprámos as cartas marítimas e fizemos o nosso planeamento: partida da Lagoa de Albufeira, a primeira noite entre o Cabo Espichel e Sesimbra e a segunda noite entre Sesimbra e o Portinho da Arrábida. No caso de haver muita ondulação na costa oeste o plano B seria começar em Sesimbra. Eu gosto do planeamento. Vejo e revejo os vários locais no mapa e esse exercício mental dá-me a conhecer melhor o lugar para onde me vou aventurar. E isso dá-me também mais conforto.

Neste caso nem sequer chegámos a ver a ondulação na Lagoa de Albufeira; imprevistos do meu trabalho obrigaram-nos de imediato ao plano B. Em Sesimbra realizámos os preparativos finais. Colocámos nos sacos estanques aquilo que era absolutamente essencial manter seco: o saco-cama, a roupa, o fogão e parte da comida. E ainda os telemóveis, como se quiséssemos continuar ligados ao mundo apesar de, na realidade, termos andado a navegar em locais onde não havia rede. Sim, aqui tão perto ainda existem lugares assim. Partimos do porto de Sesimbra com tudo bem amarrado e logo a seguir ao molhe rumámos a oeste. À medida que íamos navegando o nosso olhar procurava uma boa praia para passarmos a primeira noite. Logo na primeira fomos surpreendidos com uma multidão e tendas montadas. “Não é aqui!” Prosseguimos e encontrámos na Cova da Mijona o nosso abrigo. Não ficou tão isolado quanto pensávamos pois a dada altura durante a tarde muitas outras pessoas chegaram, algumas de barco e outras a pé pelos íngremes trilhos que cortam as escarpas. Pensei: “Há muitas pessoas a conhecer o paraíso. Dá muito trabalho cá chegar mas estas pessoas sabem que vale a pena.” À noite adormecemos na praia a olhar o céu estrelado. Não é todos os dias...






Na manhã seguinte acordámos cedo e, após debate, estabelecemos novo plano: dobrar o Cabo Espichel e tentarmos pernoitar na Praia dos Lagosteiros já na costa oeste, mais exposta ao vento e ondulação. A navegação matinal foi relaxada e de descoberta: de pequenas grutas, túneis e da costa recortada e polvilhada de ilhéus e rochedos. Passámos pelo Porto da Baleeira, uma pequeníssima praia escondida entre duas falésias, mas não parámos, íamos determinados em superar o Cabo Espichel e o que se seguisse. Tínhamos consciência que a parte fácil estava a acabar mas estávamos interiormente preenchidos pela soberba paisagem que tínhamos estado a beber ao longo de 1 hora e meia. Logo que dobrámos a Ponta da Pombeira sentimos o mar diferente, com a ondulação e o vento de norte a fazerem sentir-se.




A paisagem manteve-se deslumbante e continuámos motivados para o desafio. Mais perto do Cabo destaquei-me um pouco à frente para ver como estavam as condições do lado de lá e poder eventualmente antecipar alguma decisão no caso de estarem muito desfavoráveis. Olhei no horizonte e vi Carcavelos, Cascais e Sintra. No que me pareceu ser o enfiamento da Lagoa de Albufeira e por cima do mar estava um helicóptero. “Espero que não esteja à nossa procura”. Uma das regras de segurança quando vamos para fora em aventura (mesmo que cá dentro) é comunicarmos a um familiar nosso o nosso plano e quando esperamos comunicar ou estar de volta. No caso de ser ultrapassado esse limite de tempo poderão ser iniciadas buscas e, em algumas situações, evitar o pior. “Mas não ultrapassámos esse tempo e por isso o helicóptero não pode ser para nós” pensei eu tentando aliviar-me. E ao dobrar o Cabo Espichel a natureza estava desfavorável. Mesmo assim remámos lentamente contra o vento e a ondulação até à Praia dos Lagosteiros.





Mais tarde confessámos uns aos outros termos tido bastante gozo a remar naquele mar picado. Esta praia é de seixos o que, com alguma vaga, torna o acesso um pouco arriscado. Era o caso. Para a frente a Lagoa de Albufeira estava distante e resolvemos rapidamente regressar ao nosso paraíso de águas tranquilas. Apesar do nosso cansaço a remar ao fim de 3 horas o regresso com o vento e a ondulação a favor foi mais rápido. E parámos no Porto da Baleeira para um merecido almoço seguido de sesta. Não fosse às 4 da tarde o sol ter desaparecido e teríamos dormido aqui pois o espaço é realmente especial. Regressámos à nossa Cova da Mijona e no caminho, a curricar, pescámos 6 cavalas deliciosamente apreciadas ao lusco-fusco.





No último dia tínhamos como opção Sesimbra a apenas 1 hora de distância ou o Portinho da Arrábida a 4. O apelo do desconhecido foi mais forte e rumámos ao Portinho. Passadas Sesimbra e a Pedra do Guincho o vento caiu totalmente e o calor fez-se sentir com mais intensidade. Uma paragem na Praia da Cova e um banho de mar nas Barbas do Cavalo antecederam a nossa chegada à Praia do Portinho da Arrábida.




Regressámos ao nosso mundo habitual e natural mas ficou um pouco de nostalgia destes 3 dias em que nos deixámos apenas levar pela preguiça do navegar ao sabor da vontade, de comer quando tínhamos fome, de dormir quando tínhamos sono. Fica também a satisfação de termos aproveitado um tesouro tão perto de nós, a apenas 40 minutos das nossas casas. Foram 3 dias aqui ao lado que souberam a uma verdadeira expedição: tão perto e tão longe.