Desde final de 2008 que tenho colaborado mensalmente com a Sportlife. No Outside relato as minhas aventuras pelo nosso maravilhoso país e passarei também a partilhá-las convosco aqui. Às vezes colocarei aqui qualquer outro passeio que realize. Gostaria muito que me dessem a vossa opinião, se fizerem algum desses passeios ou simplesmente se vos der vontade disso. Digam-me que mais informações gostariam de ver publicadas nos nossos artigos.

Estarei à vossa disposição para qualquer dica extra que precisarem para fazer alguma destas aventuras ou outras.

Espero que gostem e se aventurem!

Filipe Palma

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Set 08 - De kayak na Arrábida



Muitos de lembrarão do Slogan “Vá para fora cá dentro”. Foi um convite do Turismo de Portugal há já muitos anos para que explorássemos e desfrutássemos o nosso país. Todos gostamos de passear e viajar, uns mais que outros, de uma forma mais desportiva ou mais cultual, mais aventureira ou mais convencional, para conhecer ou só para descansar. E quantas vezes não pensamos logo em destinos distantes, para nós inacessíveis, ou porque são muito caros, ou porque não temos o tempo que justifique ir tão longe ou até porque nos falta a ousadia de partirmos para um lugar desconhecido. Portugal tem lugares imensamente bonitos e cheios de contrastes. Temos a sorte de mudarmos de cenário em pouca distância e em pouco tempo. Foi o que senti quando terminei a minha Volta ao Mundo “Andei pelo Mundo de bicicleta e vou querer andar por Portugal inteiro, vou querer conhecer pouco a pouco os pequenos e belos recantos do nosso país”.

E é isso que vamos fazer nas próximas edições: descobrir, dar-te a conhecer e levar-te ao Portugal que nós desconhecíamos ou que simplesmente gostamos muito. Vamos fazê-lo de uma forma activa porque é saudável, é o nosso espírito. E vamos utilizar os melhores meios para cada lugar, sejam eles uma simples caminhada, um passeio de bicicleta ou de kayak, ou até algum outro que encontremos pelo caminho.

Vem connosco cá dentro!



Não raras vezes partilhei com amigos o sentimento de, ao viver (ou ter que viver) em Lisboa, beneficiar do privilégio de estar perto de locais de natureza fascinante. A Arrábida é um dos mais conhecidos e não é por acaso. Tem paisagens paradisíacas, enseadas escondidas, praias inacessíveis, a água do mar é cristalina e, além de tudo, oferece excelentes condições para o pedestrianismo, bicicleta todo-o-terreno, canoagem, escalada e mergulho. Em pleno Verão, com o tempo quente e as águas calmas, escolhi a canoagem. Desafiei a família e uns amigos, pegámos nos caiaques e partimos.

O projecto inicial era ligar a Lagoa de Albufeira ao Portinho da Arrábida em três dias. Comprámos as cartas marítimas e fizemos o nosso planeamento: partida da Lagoa de Albufeira, a primeira noite entre o Cabo Espichel e Sesimbra e a segunda noite entre Sesimbra e o Portinho da Arrábida. No caso de haver muita ondulação na costa oeste o plano B seria começar em Sesimbra. Eu gosto do planeamento. Vejo e revejo os vários locais no mapa e esse exercício mental dá-me a conhecer melhor o lugar para onde me vou aventurar. E isso dá-me também mais conforto.

Neste caso nem sequer chegámos a ver a ondulação na Lagoa de Albufeira; imprevistos do meu trabalho obrigaram-nos de imediato ao plano B. Em Sesimbra realizámos os preparativos finais. Colocámos nos sacos estanques aquilo que era absolutamente essencial manter seco: o saco-cama, a roupa, o fogão e parte da comida. E ainda os telemóveis, como se quiséssemos continuar ligados ao mundo apesar de, na realidade, termos andado a navegar em locais onde não havia rede. Sim, aqui tão perto ainda existem lugares assim. Partimos do porto de Sesimbra com tudo bem amarrado e logo a seguir ao molhe rumámos a oeste. À medida que íamos navegando o nosso olhar procurava uma boa praia para passarmos a primeira noite. Logo na primeira fomos surpreendidos com uma multidão e tendas montadas. “Não é aqui!” Prosseguimos e encontrámos na Cova da Mijona o nosso abrigo. Não ficou tão isolado quanto pensávamos pois a dada altura durante a tarde muitas outras pessoas chegaram, algumas de barco e outras a pé pelos íngremes trilhos que cortam as escarpas. Pensei: “Há muitas pessoas a conhecer o paraíso. Dá muito trabalho cá chegar mas estas pessoas sabem que vale a pena.” À noite adormecemos na praia a olhar o céu estrelado. Não é todos os dias...






Na manhã seguinte acordámos cedo e, após debate, estabelecemos novo plano: dobrar o Cabo Espichel e tentarmos pernoitar na Praia dos Lagosteiros já na costa oeste, mais exposta ao vento e ondulação. A navegação matinal foi relaxada e de descoberta: de pequenas grutas, túneis e da costa recortada e polvilhada de ilhéus e rochedos. Passámos pelo Porto da Baleeira, uma pequeníssima praia escondida entre duas falésias, mas não parámos, íamos determinados em superar o Cabo Espichel e o que se seguisse. Tínhamos consciência que a parte fácil estava a acabar mas estávamos interiormente preenchidos pela soberba paisagem que tínhamos estado a beber ao longo de 1 hora e meia. Logo que dobrámos a Ponta da Pombeira sentimos o mar diferente, com a ondulação e o vento de norte a fazerem sentir-se.




A paisagem manteve-se deslumbante e continuámos motivados para o desafio. Mais perto do Cabo destaquei-me um pouco à frente para ver como estavam as condições do lado de lá e poder eventualmente antecipar alguma decisão no caso de estarem muito desfavoráveis. Olhei no horizonte e vi Carcavelos, Cascais e Sintra. No que me pareceu ser o enfiamento da Lagoa de Albufeira e por cima do mar estava um helicóptero. “Espero que não esteja à nossa procura”. Uma das regras de segurança quando vamos para fora em aventura (mesmo que cá dentro) é comunicarmos a um familiar nosso o nosso plano e quando esperamos comunicar ou estar de volta. No caso de ser ultrapassado esse limite de tempo poderão ser iniciadas buscas e, em algumas situações, evitar o pior. “Mas não ultrapassámos esse tempo e por isso o helicóptero não pode ser para nós” pensei eu tentando aliviar-me. E ao dobrar o Cabo Espichel a natureza estava desfavorável. Mesmo assim remámos lentamente contra o vento e a ondulação até à Praia dos Lagosteiros.





Mais tarde confessámos uns aos outros termos tido bastante gozo a remar naquele mar picado. Esta praia é de seixos o que, com alguma vaga, torna o acesso um pouco arriscado. Era o caso. Para a frente a Lagoa de Albufeira estava distante e resolvemos rapidamente regressar ao nosso paraíso de águas tranquilas. Apesar do nosso cansaço a remar ao fim de 3 horas o regresso com o vento e a ondulação a favor foi mais rápido. E parámos no Porto da Baleeira para um merecido almoço seguido de sesta. Não fosse às 4 da tarde o sol ter desaparecido e teríamos dormido aqui pois o espaço é realmente especial. Regressámos à nossa Cova da Mijona e no caminho, a curricar, pescámos 6 cavalas deliciosamente apreciadas ao lusco-fusco.





No último dia tínhamos como opção Sesimbra a apenas 1 hora de distância ou o Portinho da Arrábida a 4. O apelo do desconhecido foi mais forte e rumámos ao Portinho. Passadas Sesimbra e a Pedra do Guincho o vento caiu totalmente e o calor fez-se sentir com mais intensidade. Uma paragem na Praia da Cova e um banho de mar nas Barbas do Cavalo antecederam a nossa chegada à Praia do Portinho da Arrábida.




Regressámos ao nosso mundo habitual e natural mas ficou um pouco de nostalgia destes 3 dias em que nos deixámos apenas levar pela preguiça do navegar ao sabor da vontade, de comer quando tínhamos fome, de dormir quando tínhamos sono. Fica também a satisfação de termos aproveitado um tesouro tão perto de nós, a apenas 40 minutos das nossas casas. Foram 3 dias aqui ao lado que souberam a uma verdadeira expedição: tão perto e tão longe.

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