Desde final de 2008 que tenho colaborado mensalmente com a Sportlife. No Outside relato as minhas aventuras pelo nosso maravilhoso país e passarei também a partilhá-las convosco aqui. Às vezes colocarei aqui qualquer outro passeio que realize. Gostaria muito que me dessem a vossa opinião, se fizerem algum desses passeios ou simplesmente se vos der vontade disso. Digam-me que mais informações gostariam de ver publicadas nos nossos artigos.

Estarei à vossa disposição para qualquer dica extra que precisarem para fazer alguma destas aventuras ou outras.

Espero que gostem e se aventurem!

Filipe Palma

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Dez 08 - Guadiana em Kayak





Descer o Guadiana em caiaque foi a aventura de eleição para o nosso Outdoor deste mês. Abraçado por uma paisagem tipicamente alentejana de montes ondulantes onde se destacam as azinheiras e os sobreiros este rio é muito bonito e muito tranquilo. Esta paz é apenas “perturbada” por alguns rápidos vigorosos e aliciantes que fazem desta navegação um prazer infindável.




Integrado parcialmente no Parque Natural do Vale do Guadiana, o Guadiana é um dos nossos rios internacionais. Nasce em Espanha nas Lagunas de La Ruidera a 1700 metros de altitude. Desde aí até à sua foz, entre Vila Real de Santo António e Ayamonte, percorre 829 km em território ibérico. Em Portugal entra a uma altitude de cerca de 150 metros o que, em 260 km de comprimento até ao seu final, faz com que o seu desnível seja muito pequeno. O seu curso é interrompido por alguns açudes que permitiram desde os tempos antigos movimentar as azenhas. É por isso um rio muito suave com algumas zonas de corrente, alguns rápidos mas maioritariamente águas planas.




Com família e amigos partimos para o Baixo Alentejo, na direcção de Beja. Daqui fomos pela estrada nacional 260 e, 7 km antes de chegarmos a Serpa, parámos na ponte sobre o rio Guadiana. Foi o nosso ponto de partida. O nosso objectivo para dois dias era chegar ao Pulo do Lobo, um estreitamento do rio que acaba com uma espectacular queda de água de 13 metros. O percurso total seriam 24 km. Para dois dias achámos razoável.





Enquanto alguns ficaram a preparar toda a logística, outros foram levar um dos nossos carros até ao presumível ponto de chegada. Não quisemos que ficasse isolado no meio do campo e procurámos uma casa por perto. O Monte mais próximo ficava a alguns kms mas foi a opção escolhida. Preferimos ficar com o carro protegido e no final da descida resolveríamos esta dificuldade da distância.





Regressámos ao ponto de partida e, após todos os preparativos logísticos, iniciámos o nosso briefing. Sendo de águas planas, o rio é de navegação muito fácil mas tem como desafio a superação dos açudes e dos seus rápidos. Temos que ter a noção que os açudes, aparentemente inofensivos, podem provocar acidentes graves. Mas podemos sempre evitá-los descendo a pé pelo lado. Não temos que os descer navegando e criar riscos desnecessários. Mas, se por um lado os rápidos encerram alguns perigos, descê-los é também uma parte muito divertida. Assim, se não conhecermos o rio, que foi o caso, o que temos que fazer é parar antes de cada açude e rápido, verificar o grau de dificuldade e antecipar possíveis consequências. Se não tivermos prática ou tivermos dúvidas sobre as consequências devemos passá-los a pé pelo lado, fazendo o que se chama uma portagem. Caso contrário, a pessoa mais experiente deverá ir à frente e dar indicação aos restantes participantes do melhor caminho a seguir. Estes, deverão descer um de cada vez sem riscos de abalroamentos mútuos.




Com todos nos respectivos caiaques, toda a bagagem a bordo, e os dois cães a procurarem a sua posição mais confortável no meu caiaque duplo, partimos. Foram muitas horas empenhadas na preparação e com os dias curtos ficámos muito limitados na descida do primeiro dia. Para nos ambientarmos fizemos logo uns exercícios de remada para a frente e para trás. Iniciámos a descida entusiasmados com a “expedição”. Passado algum tempo começámos a ouvir água a correr. Aproximava-se o nosso primeiro açude, os Moinhos da Corte Piorninho. Dei indicação para se juntarem todos na margem enquanto eu ia “diagnosticar” o nosso obstáculo. O rápido ficava no lado esquerdo do açude e era pequeno mas ligeiramente em curva para a direita. À esquerda, no final do rápido e na margem, estavam umas árvores com os ramos sobre a corrente. Teríamos que descer o rápido evitando esses ramos. Naquele caso, a “complicação” teve a haver com o avançado da hora, com a temperatura fria que já se fazia sentir e com o facto de transportarmos nos caiaques toda a nossa comida, roupa seca e o equipamento para dormirmos. Tudo isto queríamos manter seco e, como tive dúvidas que todos o passassem sem se voltarem ao contrário, sugeri que alguns o fizessem a pé. Fazer aqui uma portagem foi um processo demorado: aproximar o caiaque da margem, sair, transportá-lo pela margem, voltar a entrar... Passado algum tempo, já estava o obstáculo superado quando a contra corrente puxou um caiaque para um pequeno remoinho e, sofrendo o efeito do peso extra, o caiaque desequilibrou-se e voltou-se mesmo. Primeiro, o susto, depois e quase em simultâneo, o choque térmico e por fim o desalento de ver todos aqueles objectos, indispensáveis ao nosso conforto mínimo, dentro de água. Algumas coisas estavam em sacos estanques e não se molharam mas outras estavam em enormes sacos plásticos e ficaram completamente ensopadas: botas, sacos cama e roupa quente para a noite fria.




Recuperámos e continuámos a navegar para jusante. Passado mais algum tempo, já estávamos no fim da tarde, apareceu novo açude, o Moinho do Farrobo. Parámos para avaliar este novo obstáculo e, consultando o nosso mapa, considerámos estabelecer o nosso campo de pernoita ali mesmo. Daí a pouco iríamos ficar sem luz. E um telheiro duma casa desocupada oferecia algum resguardo da imensa e gelada humidade que já se fazia sentir. Montámos as nossas tendas, vestimos a roupa seca que ainda tínhamos, preparámos o nosso jantar de campo e animadamente conversámos sobre as aventuras do dia. É um dos prazeres do outdoor, o sentirmo-nos no meio da natureza, em liberdade e distantes do mundo apressado do dia a dia.




Como prevíamos, a noite foi fria e a manhã seguinte cheia de nevoeiro. Calmamente fomos levantando o acampamento e preparando novamente a nossa partida. Olhando para o mapa, dos 24 km que tínhamos que percorrer em dois dias, já estavam cumpridos 2,5 km. Flexibilidade para ajustar um programa de outdoor é essencial para quem se lança à aventura. O Pulo do Lobo já estava fora de questão, iríamos até onde nos sentíssemos confortáveis e divertidos.




Quando começamos a navegação já o sol raiava e, novamente animados, remámos rio abaixo. A ausência de vento mantinha a superfície como um espelho reforçando a tranquilidade envolvente. No caminho passámos por uma ilha onde reside uma colónia de garças boieiras. A abundância das aves junto aos rios é outro dos atractivos das aventuras náuticas.




A transposição do terceiro açude foi mais simples e todos o fizemos sem dificuldades de maior. Contudo, o seguinte, nas Azenhas dos Machados e dos Machadinhos, foi mais impressionante: o desnível era maior e a água, muito esbranquiçada pela velocidade com que corria sobre as pedras. Mais uma vez parámos para “estudá-lo”, ninguém queria “ir à água”. E mais uma vez as sensibilidades dividiram-se: houve uns que desceram o rápido de caiaque e outros a pé. Assim, sem quaisquer pressões, deve reger-se o grupo: cada um, em função da avaliação que faz das circunstâncias e aferindo ao seu nível de prática decide da melhor forma para si (e indirectamente para o grupo).



Naquele que acabou por ser o último rápido, na Azenha de Quilos e tal como o primeiro com ramos do lado esquerdo e a curvar para o lado direito, foi a minha vez. Sendo o mais experiente do grupo, fui à frente para indicar o caminho. Tinha deixado os cães em segurança na margem com o restante grupo. O rápido tinha bastante força e eu teria que sair da corrente principal logo após a descida para não ir contra os ramos pontiagudos que me poderiam prender ou ferir a minha cara. Antes do açude comecei a remar com muita força para ganhar balanço e tentar ter a minha trajectória independente da corrente. Desta forma poderia ir para onde queria e não para onde a corrente me levasse. Mas, à saída do rápido, havia também uma onda que me fez desequilibrar e, para evitar que o caiaque se voltasse ao contrário, deixei-me ir para dentro de água. A nadar puxei logo o caiaque para fora da corrente cumprindo assim o objectivo de não ir para os ramos. Molhar-me foi secundário... O meu exemplo e, novamente, o avançado da hora fez com que os outros fizessem a passagem pelo lado. Estávamos ainda muito longe do carro, na realidade estávamos muito mais perto de Serpa onde também tínhamos deixado um carro.



Perto do Monte da Barca vimos pessoas, algumas a pescar e outras em pleno convívio. Decidimos que seria o fim da nossa descida e dois de nós pedimos boleia até Serpa enquanto os outros trataram de arrumar todo o material. Quando regressámos para recolher tudo já era de noite. Estávamos todos satisfeitos com a aventura mas também pelo regresso ao outro conforto.



Se tiveres experiência em Canoagem este passeio pode ser feito em autonomia (cumprindo sempre a regra de “ires sempre acompanhado por alguém com experiência” e tomares as devidas precauções em cada açude). Começa o dia cedo para no fina teres sempre uma margem de tempo (e de luz solar). Se não tens experiência recomendo fazeres com alguma das empresas de aventura que organizam estas descidas. É mais agradável ser feito no Outono e Primavera, fora do frio e calor extremos respectivamente do Inverno e do Verão. Também é importante evitares épocas de seca pois nessas alturas o nível de água do rio é demasiado baixo e este pode não ser suficientemente navegável.

Boas descidas!

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