Desde final de 2008 que tenho colaborado mensalmente com a Sportlife. No Outside relato as minhas aventuras pelo nosso maravilhoso país e passarei também a partilhá-las convosco aqui. Às vezes colocarei aqui qualquer outro passeio que realize. Gostaria muito que me dessem a vossa opinião, se fizerem algum desses passeios ou simplesmente se vos der vontade disso. Digam-me que mais informações gostariam de ver publicadas nos nossos artigos.

Estarei à vossa disposição para qualquer dica extra que precisarem para fazer alguma destas aventuras ou outras.

Espero que gostem e se aventurem!

Filipe Palma

sexta-feira, 12 de março de 2010

Out 09 - De Kayak na Rota dos Baleeiros







Em 1987 foi caçado o último cachalote na ilha do Pico. Era o fim de uma indústria que, a dada altura, foi muito rentável para as populações locais que se dedicavam a esta arriscada actividade. Hoje em dia, as baleias são novamente fonte de riqueza nos Açores, mas de uma forma muito mais pacífica, através da sua observação. Anualmente, muitas pessoas deslocam-se a um dos nossos mais preciosos paraísos simplesmente para verem e navegarem ao lado destes extraordinários e sumptuosos animais.

Foi nestas águas, nas palavras do Peter Café Sport, “…frequentadas por golfinhos, baleias e tubarões…” que realizei a mais recente aventura. Foram três dias em caiaque ao longo do Pico. No ano passado, dei a volta à ilha do Faial em quatro dias com a minha futura mulher. Este ano quis mostrar-lhe a costa sul do Pico, onde já tinha passado há alguns anos atrás, também de caiaque, na volta a esta ilha que é a segunda maior açoriana.







Começámos no porto da Madalena ao fim da manhã. A nossa intenção era navegar pelo norte, com a ilha de São Jorge à vista. Mas, como temos que estar sempre preparados na aventura, tínhamos que ter um plano B no caso de as condições serem claramente desfavoráveis. E as condições estavam claramente desfavoráveis. À saída do porto, constatámos que o vento noroeste impedia-nos de avançar. Eu, num caiaque duplo, levava a carga toda para 4 dias em auto-suficiência: tenda, roupa, colchões, sacos cama, água, comida, fogão, leitura. A Teresa, noutro caiaque duplo, levava um bebé de seis meses dentro da barriga e um gaiato de 4 anos fora dela. Foi preciso apenas uns minutos para a decisão. De facto, esta já estava muito adiantada nas nossas mentes. Porquê remar contra o vento se podíamos ir a favor dele?







Virámos para sul e começámos a remar ajudados pela meteorologia. Vento e pequenas ondas faziam os nossos caiaques deslizar suavemente. A bombordo tínhamos a montanha mais alta de Portugal, a estibordo a ilha do Faial que, por vezes, desaparecia sob intensas nuvens. Lá longe vimos aguaceiros mas, onde estávamos, o sol brilhava radioso. “Que sorte estarmos aqui e não ali…” Os Açores são assim, as estações variam ao longo do dia, variam de local para local. Deixámos os ilhéus Deitado e em Pé para trás. À frente, na Ponta do Areeiro, vimos uma pequena praia (que nos Açores são, normalmente, de rocha) e aproximámo-nos. Para entrar na pequena enseada teríamos que nos esquivar a umas pequenas mas incómodas ondas. A margem de risco era zero. Estivemos a estudar a regularidade e intensidade das mesmas e, a dada altura, avancei. Entrei no momento certo e tudo correu bem, apenas teria que ter entrado no momento certo. Desembarquei sob o olhar curioso de um trio de estrangeiros e um par de portugueses, os únicos veraneantes naquele momento. Depois de ter o meu material a salvo, caminhei pelas rochas, saltei para o mar, nadei até ao outro caiaque, subi e combinei com a Teresa e com o Miguel o nosso plano. E entrámos, novamente no momento certo, rumo a uns saborosos mergulhos e a um almoço ainda melhor. Passado um par de horas, fizemo-nos ao mar e continuámos a navegar para sul. Ir até São Mateus parecia longe mas, embora o Pico tenha muitas pequenas rampas de acesso, nesta parte da ilha não me lembrava de existir nenhuma. Lancei ao mar a linha de pesca com uma amostra e remei. O sol a baixar, a água a alisar, a montanha do Pico a descobrir por entre as nuvens, o cenário era de sonho. Mas São Mateus nunca mais chegava. A dada altura, já bastante cansada e um pouco saturada, a Teresa gritou: “Aquilo ali não é uma rampa?” “Pode ser que seja…” respondi eu aproximando-me. Era realmente uma possibilidade de saída e pernoita. À vista não havia ninguém. A rampa era inclinada e o pequeno desnível da água criado pela ondulação era o suficiente para não nos deixar tranquilos. A margem de risco mantinha-se em zero. Depois de observar durante alguns minutos propus à Teresa içar o Miguel pelo cais ao lado, depois a ela, e por fim, atar os caiaques a um cabo longo e puxá-los rapidamente pela rampa acima com a ajuda duma onda. Tudo correu bem e quando retirei a linha de pesca fui surpreendido com uma pequena mas bela garoupa que deu gosto ao nosso jantar cozinhado ao pôr-do-sol. E esta foi a nossa rotina durante três dias: acordar, dar um mergulho refrescante, tomar o pequeno-almoço a ouvir o mar, preparar a logística, navegar durante a manhã, pescar, parar num pequeno porto para almoçar, dar mais mergulhos, sesta, navegar durante a tarde, preparar o acampamento e jantar à luz das estrelas. Chegámos a São João mas podíamos ter ficado por São Caetano, ou ter ido até às Lajes, o importante não é onde chegamos mas sim o durante.







O que é preciso para realizar este passeio? Em primeiro lugar, não é preciso levar uma grávida, nem tão pouco uma criança.

O nível técnico exigido é elementar, os caiaques a utilizar são sit-on-top, muito seguros e dificílimos de se voltarem ao contrário. Fisicamente, este é um passeio acessível; devagar podemos remar umas três a quatro horas por dia, é como descer o Zêzere, o Mondego ou o Guadiana. A grande maioria das pessoas activas seria capaz disso. É necessário um bom conhecimento de meteorologia e consultar as previsões antes de nos lançarmos à aventura. No verão, o mar dos Açores é muito benévolo mas tudo se pode alterar de um dia para o outro. Se houver uma previsão de bom tempo, as condições são fáceis. Um estudo prévio dos possíveis locais de desembarque é essencial para a nossa orientação e gestão do esforço. Ter presente os procedimentos em caso de alguma coisa correr pior é fundamental. Acima de tudo, o mais importante é a capacidade de decidir bem e atempadamente e, isso, é-nos dado pela experiência.




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